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Cláudia Milheiro

PORQUE DANÇA O CORPO …porque alguns não o sabem…

O corpo pode ser observado como um objeto transdisciplinar de intervenções e conhecimentos, muitas vezes alheios ao próprio sujeito, em que ritmos, músicas e danças se inscrevem numa linguagem única e numa arte de identidade polifacetada de movimentos e sentimentos.


Este corpo cujas cartografias internamente vivem as complexas relações entre o Eu e a realidade, corpo de pulsões, pode facilmente adoecer quando não sabe como dizer, sublimar ou exprimir. O corpo que “não dança” somatiza, ou protagoniza uma dança, como um sintoma psicossomático com estética individual. Toma o lugar da incapacitação simbólica que a técnica da Psicanálise procura resolver através da palavra.

Freud criou uma nova leitura e conceção do corpo, salientando a erotização que o percorre nos crescimentos, tempos e maturidades, ultrapassando leis e limites anatómicos e tendo-o como expressão e campo de representações internas externas (Freud 1893/1969). Nesta caracterização “perversa e polimorfa” da sexualidade, é como se o corpo fosse uma espécie de teatro onde  se podem encenar todas as relações entre o corpo e a mente.

A dança habitará sempre esse corpo, sem fracturas, não clivando, lembrando que a mente e a expressão artística são únicas e auto-criativas.

A dança/movimento demonstram trajetos históricos, culturais e sociais, do indivíduo e das sociedades, com diferentes rituais de técnicas que remontam do Paleolítico até à atualidade. Cresceu e transformou-se, da expressão de desejo e controle sobre a natureza e o sagrado, construiu virtuosas técnicas de bailado. Passou de representação de magias e misticismos, para constructo formativo e artisticamente especializado, conquistando outros voos no sonho na coreografia e no movimento. Novos formatos, sentidos e sensibilidades, espelharam transformações culturais sem perder a significância interna da sua corporização. Bailarinas como Isadora Duncan e Martha Graham foram no início do séc. XX revolucionárias nas técnicas de expressão, recuperando mitos e religiosidades da história interna e externa do ser humano. Na dança contemporânea procuram-se reinvenções técnicas, nesta continuidade expressiva  em novos envelopes estéticos,  numa matriz inter-subjetiva das relações a criação artística e  demarcação de territórios na arte.

Nesta encruzilhada de destinos que a dança nos permite observar, sentimos o significante, o latente que transforma o real no corpo que dança, em expressividades, por vezes dolorosas, de prazer ou de completudes. Se para Freud “ o Eu é antes de tudo um eu corporal”, assistimos à projecção mental no movimento do corpo do impensado, do não verbalizado, pleno de emoção em contínuos questionamentos sobre o lugar do Eu.

É nesta passagem, que poderão sublimar-se os aspetos projectivos de cada um, como nos sonhos, exprimindo memórias incontáveis sob a forma de símbolos que ultrapassam o próprio olhar: coreógrafo de si.

Sendo a arte para Freud “a segunda via do inconsciente”, a dança e o movimento nascem de uma necessidade, com uma função estética de proteção da desestruturação patológica recriando a coesão interna. Com uma coregrafia única, harmonizando discrepâncias e conflitos, o corpo que dança é único e individual.

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