Serei o único a considerar esta interpretação um pilar essencial da cultura ocidental?!
Diria que o meu fascínio por [esta] Salome é uma absoluta obsessão…
Sinto-me irremediavelmente atraído pela luminosidade da Studer, que confere ao personagem protagonista uma frescura e jovialidade ímpares. Esta Salome, lasciva, é a mais excitante e enlouquecedora que alguma vez conheci – nem a Mattila, nos tempos áureos, ‘em pelo’, diante dos meus olhos, no Met (2004?) – se aproxima do magnetismo da figura que a genial Cheryl Studer concebe, sob a direcção de Sinopoli, nesta interpretação.
Nesta obra, o encontro Salome – Jochanaan é, a todos os títulos, singular e atípico, encerrando uma enorme diversidade de significados: lascívia vs ascetismo, dissolução vs austeridade, trevas vs espiritualidade, passado vs futuro, emoção vs razão, ID vs Super Eu (em termos mais freudianos)…
De algum modo, este ponto da trama – a (quase) união de Salome ao profeta – representa uma luta protagonizada por instâncias psíquicas ou forças antagónicas: o desejo/a pulsão erótica (Salome) e a defesa erigida contra o apelo carnal (Jochanaan). Aliás, é curioso verificar como, em plena revolução freudiana, Richard Strauss se deixa seduzir por temas tão caros à psicanálise – a pulsão e conflito neurótico, o complexo de Édipo -, temas esses que infiltram obras como (respectivamente) Salome e Elektra.
Enquanto analista, o que diria eu a um paciente que me trouxesse semelhante interesse por Salome? Bom… dir-lhe-ia que o seu sumo interesse conteria características e dimensões merecedoras de uma aturada exploração.
Desde logo, o sujeito obcecado com a ópera procura deslocar para uma obra de arte uma dimensão conflitual essencial, esquivando-se a vivê-la em termos mais internos. Semelhante deslocamento segue uma lógica de controlo (sobre as suas pulsões eróticas, sobre o seu desejo carnal), apoiando-se numa liturgia do pensar, racional, que se expressa num objecto intelectual.
Se, a um nível, o par protagonista – profeta representa uma luta entre opostos, a outro nível, o mesmo par dá-nos conta de uma subversão da clássica representação da sedução, posto que Salome, jovem mulher, assume activamente o desejo, enquanto Jochanaan (alvo da sedução), passivo, através de um controlo eficaz, lhe resiste. Ora, tal subversão segue um trilho altamente defensivo, dado colocar o profeta numa posição passiva – também por essa via, avessa a qualquer vislumbre de culpabilidade -, diante de uma figura feminina que, activamente, se mobiliza numa sedução pecaminosa, secundária a uma submissão diante da pulsão!
No limite, o fascínio (obsessão) pela peça musical coloca o sujeito num cenário em que o desejo é duplamente externalizado: via deslocamento – situado num plano intelectual – e identificado com a fémea pecadora, transgressora…
Em boa verdade, o profeta debate-se entre sucumbir ao desejo ou manter-se fiel à fé, i.e. a um vínculo outro… 😉
Imagem: (Salome DG – 0289 431 8102 0)
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