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Liliana Correia de Castro

O Pássaro da Imaginação

“Sou o pássaro que canta dentro da tua cabeça que canta na tua garganta canta onde lhe apeteça Sou o pássaro que voa dentro do teu coração e do de qualquer pessoa mesmo as que julgas que não Sou o pássaro da imaginação que voa até na prisão e canta por tudo e por nada mesmo com a boca fechada”

Para fazer contraponto ao concreto, invisível e microscópico vírus que nos assoma na atualidade, senti necessidade de invocar um ser vivo mais simpático, visível e simbólico criado por Manuel António Pina nos seus versos para crianças, a que chamou “o pássaro da cabeça”. Este pássaro da imaginação pode levar-nos para longe desta pandemia, numa fuga transitória e saudável para a fantasia, para a poesia e para a imaginação. Esta liberdade paradoxal de voarmos na nossa cabeça, de estarmos juntos na nossa cultura comum, mesmo que separados nas nossas casas, dá-me um certo alento. Também me faz sorrir a inocência das minhas crianças pequenas, satisfeitas por estarem em casa junto dos seus pais a explicarem contentes que não podem ir à escola porque há um “mosquito gigante” nas escolas e nos parques infantis. Talvez tenham razão na sua inocência… apesar de microscópico é mesmo gigante ao abalar o nosso conceito e práxis de vida em sociedade… gigante nos medos que ativa, gigante nos abraços que não se dão, que ficarão perdidos num não espaço qualquer.

Benvindo pássaro da imaginação, abre as tuas asas e voa, afina o teu canto e canta bem alto. É hora de, mesmo que por breves instantes, criar, pintar com lápis de cera coloridos, ler poesia, romances e histórias de encantar, pelo menos até à hora de lavar outra vez mecanicamente as mãos e ouvir o próximo noticiário sem imaginação. As crianças protestam porque não podem ver os desenhos animados mas no fundo sorriem, cúmplices com o “mosquito gigante”, interiormente contentes de amanhã não haver escola. Para a mãe adulta amanhã há na mesma trabalho no Hospital, entre máscaras impessoais e óculos de plástico, entre batas brancas e sorrisos cinzentos. Por vezes no silêncio, bem dentro da cabeça, bem perto do coração, vem terminar o poema o pássaro da imaginação:

“E esta é a canção sem razão que não serve para mais nada senão para ser cantada quando os amigos se vão e ficas de novo sozinho na solidão que começa apenas com o passarinho dentro da tua cabeça.”

In “O Pássaro da Cabeça” (versos para crianças), Manuel António Pina

Imagem: Great Sandy Desert, Telfer WA, Australia

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