Almada, A Europa jaz…, 1943
“A Europa jaz, posta nos cotovellos:
De oriente a Occidente jaz, fitando,
E toldam-lhe romanticos cabellos
Olhos gregos, lembrando.
O cotovello esquerdo é recuado;
O direito é em angulo disposto.
Aquelle diz Italia onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se appoia o rosto.
Fita, com olhar sphyngico e fatal,
O Occidente, futuro do passado.
O rosto que fita é Portugal.”
Pessoa, Mensagem, 1934
Mar adentro, partimos do ano mítico de 1500 ao encontro fecundo entre Europa e América. Emerge subitamente o desconhecido, uma inquietante estranheza, uma vivência direta e nua: a des-coberta do Brasil. Transportados a um tempo-espaço primordial, a saturação europeia das armaduras é confrontada com a nudez corporal dos nativos. E o corpo é o espaço onde se inicia a ordem na psique, através do qual, nos toca a vida e o outro: uma mistura de origens e dispersões.
O conflito estético deste encontro originário, realça o paradigma dessa mútua e mutante descoberta: quando se dá o encontro com seres diversos, a nudez mais surpreendente é a cultural. Através do elo multi-cultural patente nas descobertas – portuguesas e psicanalíticas – entrevemos novos mundos e corporifica-se a psicanálise em Portugal.
Inicialmente com figuras ligadas à medicina, filosofia, antropologia, religião e educação, a obra freudiana ganha forma, pela mão de Egas Moniz, por duas vias – a científica e a literária. Curiosamente, é com ele que Pessoa – o poeta mais psicanalítico e desassossegado do mundo – se encontra aos 19 anos. Esse encontro científico-poético expressará metaforicamente uma forma portuguesa de ser psicanalista?
A história caminha pela Suíça (Alvim e Luzes), Paris (Santos), Espanha (Sociedade Luso-Espanhola), e Inglaterra (Luzes divulga Bion fora de Londres, com grande impacto internacional), chegando, há 45 anos, ao Grémio Literário onde teve lugar a sessão inaugural oficial da SPP (24.02.1973) com Francisco Alvim como seu primeiro presidente. Juntando-se a Pedro Luzes e João dos Santos, os fundadores da SPP, trabalharam resiliente e apaixonadamente apesar da ditadura de Salazar. A Revolução dos Cravos em 1974, implantando a democracia, permitiu a fundação em 1975 do Instituto de Psicanálise e em 1981 a SPP torna-se Sociedade Componente da IPA. Em 1985, publica o primeiro número da Revista Portuguesa de Psicanálise, estabelecendo o seu corpo científico: gerado sobre o ideal da plasticidade e diversidade teórica, vai elaborando a transgeracionalidade e projeta-se em crescente amadurecimento expansivo.
Retornamos pois ao “Ocidente, futuro do passado”, através do fado (destino) da língua portuguesa, evocando a alegoria da Jangada de Pedra (Saramago, 1986): a Ibéria destaca-se da Europa, navega à deriva até imobilizar-se como pequeno continente-ilha no Atlântico Sul, entre África e América-Latina. Liga-se assim o tempo linear-lógico da descoberta marítima ao tempo circular-mítico do inconsciente, habitat natural da palavra saudade, invenção exclusiva da língua portuguesa para nomear o campo emocional da ausência e do amor.
* Projeto FEPAL no 31º Congresso – Corpo – Cartagena 2016: reunir sinteticamente o corpo cultural e histórico de cada Sociedade participante.
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