A psicanálise tem de ser entendida como uma hermenêutica da cultura,só assim ela se inscreve no movimento da cultura contemporânea e se constituiu como pilar fundamental da modernidade.
Portanto, mais que uma clínica, uma análise é a experiência ética do desejo do sujeito falante levado até à sua condição de mortal, como explicou Lacan.
Uma das obras maiores de Freud, Luto e Melancolia, de 1915, é um estudo fundamental sobre as expressões normais e patológicas da alma humana. Sendo um texto privilegiado de Freud ele mostra, como poucos, a força e a beleza literárias da sua genialidade e o seu mérito ético.
Nenhuma disposição da alma ocupou o Ocidente tanto tempo e tão continuadamente como a melancolia. Da antiguidade clássica à modernidade: De Aristóteles a Burke, Baudelaire, Freud ou a W. Benjamin.
A melancolia permanece nuclear, no seio dos problemas com os quais o homem é actualmente confrontado e abarca múltiplos domínios: a psicanálise, a psiquiatria, a filosofia, a literatura, a arte. E a arquitectura.
A obra de Aldo Rossi é disso uma referência maior, a de uma arquitectura metafísica que recorre a um sentido primordial de dúvida sobre o nosso sentimento habitual de imperfeição.
A atitude melancólica não pode ser entendida como um distanciamento face ao desencantamento do mundo. Esta “doença sagrada” mostra como este humor constitui e corporiza o espírito europeu.
Actualmente vivemos no tempo do homem comportamental, eficiente, medicalizado, um tempo que não admite a disrupção da melancolia. Portanto a melancolia voltou ao espaço privado e não tem potência enquanto poder cultural. Voltamos outra vez ao fim do século XIX. A um antes de Freud.
Há uma relação entre melancolia e arquitectura: o sentido de perda.
O livro definitivo sobre este tema é de autoria de Diogo Seixas Lopes, arquitecto e erudito, precocemente desaparecido. (1)
Na sua originalíssima tese, Diogo Lopes, estuda o cemitério de San Cataldo, em Modena, obra onde a arquitectura, a melancolia e Aldo Rossi confluem a um modo quase tautológico.
Este cemitério é o espelho da morte industrializada, da morte que é um tabu da idade moderna. Um mundo, como diria Foucault, onde a ideologia da saúde substituiu a ideia da salvação.
Um dos poemas mais veementes sobre a perda pessoal foi escrito pelo poeta George Trakl, em 1913, e chama-se Cântico da Noite.
À noite, quando caminhamos por escuras veredas /A nossa pálida figura surge diante de nós. /Quando temos sede, /Bebemos das águas claras da lagoa/A doçura da nossa infância triste.
Falecidos, repousamos sob os mais velhos arbustos/Olhando fixamente as gaivotas cinzentas.
Nuvens primaveris elevam-se sobre a cidade sombria/Que sustenta a sua paz no mais nobre tempo dos monges.
Quando peguei nas tuas finas mãos, /Ergueste os olhos, redondos. /Isto é passado distante.
Porém, quando a harmonia escura busca a alma, /Tu, na claridade, surges na paisagem de Outono do teu amigo.
(1) Diogo Seixas Lopes, Melancholy and Architecture on Aldo Rossi, Park Books, Zurique, 2015/Orfeu Negro, Lisboa, 2016.
Foto: Nuno Cera. Sem título (Aldo Rossi/Modena), 2009.
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