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Elias Barreto

É subjectivo. E então?

As palavras “subjectivo”, “fantasia”, “ história” têm actualmente a conotação de algo que está de costas voltadas para a realidade. Dizer “isso é muito subjectivo”, “Isso é uma fantasia” ou “isso são histórias” acarreta implicitamente uma desqualificação do que está a ser dito, como menos real e verdadeiro.

No entanto, não foi sempre assim. “Sub”, do latim, tem o significado de “dentro”, “no fundo”. Por isso, ainda no sec. XVII, a palavra “subjectivo” transportava um sentido não só daquilo que é “relativo ao sujeito” mas também do que é mais “real, essencial e profundo” (1). Foi por uma daquelas ironias da história que a palavra “subjectivo” veio a adquirir a significação oposta, de algo ilusório e irreal e que a palavra “objectivo” (“Ob”- diante de mim”, isto é, o que eu observo de fora) veio a ser sinónimo de real e inequívoco.

Tal mudança promove a crença da mente ser uma ilusão e só o cérebro é real. Uma espécie de “neurite” que desvaloriza explicações em termos de sujeito, significados e intencionalidade.

Reconhecer a realidade psíquica implica reconfigurar esta relação entre o “dentro” e o “fora”, e olhar para a subjectividade, fantasia e histórias que habitam as pessoas como não menos reais e essenciais.

Se a unidade do cérebro é o neurónio, a unidade da mente é a fantasia. Não há emoção, impulso ou desejo que não seja acompanhado de uma fantasia.(2) Por isso a mente é naturalmente poética e narrativa. Não é como o cérebro, que pode ser observado, medido e descrito numa linguagem objectivista, por exemplo, como fenómeno neurofisiológico.

Se o traumático é da ordem do não suficientemente simbolizado e metabolizado, experiência indigesta à procura de palavras, dar a alguém a oportunidade de falar, narrar e ser escutado, é dar-lhe a possibilidade de pensar o que sente, sentir o que pensa e descobrir-se enquanto sujeito.

Freud, abandonando os métodos de tratamento da época (massagens, banhos, tratamentos eléctricos), passou a escutar os seus pacientes, usando uma sensibilidade simultaneamente científica e artística, prestando atenção ao manifesto e literal mas também às latentes reverberações de sentido; dando tanta importância ao pequeno detalhe quanto ao contexto psicológico e emocional; e atendendo às associações, sucessão de temas e continuidade narrativa.

Ao fazê-lo entrou num território novo, inquietante mas não menos real, o da realidade psíquica. O preço foi o de ter de adoptar uma linguagem cada vez mais metafórica e literária, mais longe da linguagem naturalista e objectiva.

“…ainda me causa estranheza que as histórias de caso que escrevo se leiam como pequenos contos e que, como se poderia dizer, lhes falte a marca de seriedade da ciência. Tenho de consolar-me com a reflexão de que a natureza do assunto é evidentemente a responsável por isso, e não qualquer preferência minha.” (3)

É subjectivo? E então? Não é a vida feita de tais subjectividades?

  1. Owen Barfield, 1967- Speaker’s Meaning

  2. Susan Isaacs, 1952- A natureza e função da fantasia

  3. Freud, 1895 – Estudos sobre Histeria

Imagem:  Randy Jacob em Unsplash.com

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